Certa vez, a bem-aventurada Nhá Chica recebeu em sua
pequenina casa o nobre conselheiro do Império, João Pedreira do Couto Ferraz.
Era o ano de 1873. Ele, casado com Elisa Amália de Bulhões Pedreira, fazia-se
acompanhar, entre outras pessoas, de sua filha primogênita que na ocasião
contava 15 anos de idade e alimentava o desejo de consagrar-se ao Senhor. Era a
jovem Zélia, nascida a 05 de abril de 1857.
A família encontrava-se no vizinho povoado de Caxambu
para desfrutar das suas ricas águas minerais. A boa fama de sábia conselheira
da beata Nhá Chica, que naquele tempo já trespassara os limites da pequena vila
Baependi, atraia muitos à sua procura. Aquela ditosa família acorreu ao encontro
da piedosa serva de Deus para recomendar às suas orações a jovem menina
desejosa de Deus.
Nhá Chica recebeu-os em sua modesta casa e logo depois
de «um dedo de prosa» já conhecia as aflições daquela família.
Recolheu-se então ao seu quartinho e à intimidade da oração à sua «Sinhá», modo
carinhoso como se referia à pequenina imagem da Senhora da Conceição que
herdara de sua mãe. Os hóspedes esperavam na sala. Pouco tempo depois, voltou a
velha senhora e, sem transparecer sombra alguma de dúvida, pronunciou o oráculo
profético:
- «Ela vai se casar! Terá muitos filhos e no fim da
sua vida será toda de Nosso Senhor».
Regressaram a Caxambu, mas não esqueceram das palavras
proféticas de Nhá Chica.
Zélia recebera primorosa educação literária, artística
e científica e revelava especial pendor para o estudo dos idiomas. Falava e
escrevia corretamente o francês, o inglês, o espanhol e o italiano. Conhecia
ainda o alemão, o latim e o grego.
«Ela vai se casar!»
O ingresso na vida religiosa feminina não era algo
fácil, visto que naquela altura não eram muitas as casas religiosas femininas
no Brasil e o noviciado era normalmente feito na Europa. Por esses ou outros
motivos, o certo é que Zélia não ingressou então na Vida Religiosa, mas pelo
contrário, cerca de três anos depois, em 27 de julho de 1876 casou-se com o Dr.
Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, engenheiro civil e homem de particular espírito
religioso.
Após uma temporada em Petrópolis, o casal fixou-se na
Fazenda Santa Fé, na Vila do Carmo de Cantagalo, Província do Rio de Janeiro.
Lá se constituía em um autêntico lar cristão. Na Fazenda havia uma capela, na
qual inúmeras vezes ao dia Zélia era encontrada rezando. Os escravos da fazenda
sempre iniciavam o trabalho do dia com uma oração guiada por ela e seu esposo
no pátio da fazenda onde havia um coreto. Zélia muito se preocupava com a vida
espiritual deles, por isso, sempre participavam da missa, se confessavam e
recebiam sólida catequese, oferecida por Zélia e Jerônimo. Ela mesma os
catequizava, adultos e crianças.
Eles nunca tratavam seus escravos como propriedade. Na
fazenda dos servos de Deus eles viviam em liberdade e recebiam salário. Quando
foi assinada a Lei Áurea em 13 de maio de 1888, que abolia a escravidão negra
no Brasil, eles permaneceram na Fazenda Santa Fé, pois sempre viveram e foram
tratados como pessoas livres. Na fazenda, o piedoso casal construiu uma
enfermaria para tratar dos escravos doentes e periodicamente vinha um médico, e
Zélia mesma com seus filhos iam visitá-los e inclusive tratar deles.
«Terá muitos filhos»
Desse feliz matrimônio nasceram treze filhos, dos
quais quatro faleceram em tenra idade. Os demais, três homens e seis mulheres
abraçaram a Vida Religiosa em diferentes Ordens e Congregações: um lazarista,
um jesuíta e um franciscano; quatro doroteias e duas irmãs do Bom Pastor.
Sabe-se que também o casal sempre desejou consagrar-se
ao Senhor, mas Jerônimo não pode, morreu em 1909, deixando viúva sua amada
esposa que, quatro anos mais tarde em 1913, depois de cuidar do seu pai até a
morte, entrou com uma permissão especial, para o Convento das Servas do
Santíssimo Sacramento, estabelecido em 1912 no Largo do Machado, no Rio de
Janeiro. Contudo, uma de suas filhas gravemente enferma e seu jovem filho,
Fernando, jesuíta, não tendo ainda os votos perpétuos, fizeram com que Zélia
esperasse ainda mais um pouco para concretizar sua plena consagração a Cristo.
Somente em 1918, após vender todos os seus bens e
doá-los aos pobres e à Igreja, cumprindo assim a ordem do Evangelho (Mt 19,21)
de vender tudo e dar aos pobres para depois seguir a Jesus Cristo mais de
perto, Zélia pode concretizar a sua consagração há tantos anos predita
profeticamente por Nhá Chica:
«…no fim da sua vida, ela será toda de Nosso Senhor».
Zélia, não achando suficiente ter renovado nove vezes
o sacrifício de entregar seus filhos a Deus, entregou a si mesma, como sua
maior prova de amor. Passou então a chamar-se Irmã Maria do Santíssimo
Sacramento, ao tomar o hábito religioso em 22 de janeiro 1918.
Ela terminou sua edificante e modelar existência, a 8
de setembro de 1919, em justa fama de santidade. Foi sepultada em um simples
jazigo no Cemitério São João Batista, no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro.
Em 1937 por causa do grande número de fiéis que frequentemente iam rezar no seu
túmulo, resolveram transladar os seus restos mortais para a Igreja de Nossa
Senhora de Copacabana. A transladação seria muito discreta e constaria somente
de uma Missa na Paróquia, celebrada pelos seus três filhos. Quando porém a
multidão soube da transladação acorreu ao Cemitério e o número de fiéis era tão
grande que parecia uma procissão, o trânsito parou e no dia seguinte todos os
jornais noticiaram o que havia ocorrido. A igreja não comportou todo o povo e
por isso uma grande multidão se acomodou nas ruas laterais da Paróquia.
Um dos seus filhos, o franciscano, Frei João José
Pedreira de Castro, visitou em 07 de janeiro de 1953 a Igreja da Conceição,
onde se encontram os restos mortais da Beata Francisca Paula de Jesus – Nhá
Chica e registrou o seguinte depoimento: «Tive hoje mais uma vez a oportunidade
de visitar o túmulo de Nhá Chica. É sempre com profunda emoção que me achego
deste túmulo que encerram os despojos venerandos de quem em vida só teve uma
preocupação: a piedade e a caridade. Alma simples do povo, Nhá Chica
avantajou-se prodigiosamente. Acentuo esse advérbio, quer em vista dos muitos
prodígios (profecias, graças, quiçá milagres), que dão atestados terem sidos
recebidos por sua intercessão durante a sua vida e após a sua morte, quer
relativamente à sua personalidade (…) Permita a providência divina que a
Autoridade Eclesiástica tenha por bem aprovar sempre mais e promover a devoção
de Nhá Chica, esse maravilhoso exemplo de uma cristã que soube objetivar em si
plenamente o evangelho». Já no céu, o frei João vê elevada ás honras dos altares
a Beata Nhá Chica e com certeza, aguarda o mesmo para sua piedosa mãe.
Inúmeras são as graças alcançadas pela intercessão da
Serva de Deus Zélia, esta grande mãe de família, viúva, filha fiel e toda de
Deus. Mas, não só! Também são incontáveis as graças alcançadas pela intercessão
de seu piedoso esposo, Jerônimo.
No dia 20 de janeiro de 2014, o Cardeal Arcebispo do
Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta inaugurou oficialmente o processo de
beatificação do casal Jerônimo e Zélia que poderá ser o primeiro casal
brasileiro a receber o título de beatos da Igreja.
As relíquias de ambos foram transladadas para a Igreja
de Nossa Senhora da Conceição, na Gávea, onde estão expostas para veneração
pública. Um dia foi predita tal santidade junto à pequena capela de Nossa
Senhora da Conceição, edificada pela Beata Nhá Chica, agora aguarda o
reconhecimento oficial da Igreja, repousando noutro templo dedicado ao mesmo
orago.
Que belo exemplo de santidade! Não conhecia esta história tão linda de um casal que tanto soube amar. Aos olhos de quem os conheceu e, hoje, conhece as suas vidas são dois santos
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