domingo, 23 de novembro de 2014

O milagre do Órgão



Uma página muito conhecida e muito curiosa da vida da Beata Francisca Paula de Jesus – Nhá Chica é o milagre do órgão.
A capela da Senhora da Conceição estava terminada, ou quase. Isto significa que o ocorrido deve ser datado já nos últimos anos da vida da beata. Mas, ela queria mais alguma coisa e manifestou-o à sua serva.
Conta-se que, certa vez, em sonho, Nhá Chica ouvira a voz de Nossa Senhora a dizer-lhe que queria um órgão para seu templo. Ela guardou o nome ouvido, mas na sua ingenuidade não sabia o que era aquilo. Foi então consultar, a respeito, o pároco, Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira, contando-lhe o sonho e indagando o que era um órgão.
O reverendo lhe respondeu:
- Ah! Nhá Chica, órgão é uma coisa muito bonita, um instrumento que se toca nas igrejas e encanta as almas, mas para isso precisará de muito dinheiro.
- Mas, Nossa Senhora o quer, respondeu Nhá Chica.
O pároco, num instante, calculou e disse-lhe aproximadamente o preço de um instrumento como este. Ao que ela imediatamente respondeu:
- Na rua São José, número 73, no Rio de Janeiro, chegou* um assim.

Até onde sabemos, Nhá Chica nunca esteve no Rio de Janeiro e não teria se informado com ninguém mais acerca do órgão. Esta seria mais uma revelação de Nossa Senhora.
Depois de falar com o pároco, mal Nhá Chica manifestou ao povo o desejo de Nossa Senhora, começou a chegar espontaneamente às suas mãos esmolas para a compra do desejado instrumento. Pouco tempo decorrido, Nhá Chica deu aviso ao pároco de que o dinheiro estava arranjado e que ele providenciasse o restante para tornar efetiva a compra e a vinda do órgão.
Dom Pedro I e o Maestro Francisco Raposo
Foi então que o pároco encarregou um bom músico da cidade, Sr. Francisco Raposo, competente maestro e muito bem relacionado na corte do Rio de Janeiro que, para isso, deslocou-se para lá. Indo ao endereço indicado pela beata encontrou o órgão, experimentou-o e fechou o negócio. Em seguida tomou as providências para despachar o instrumento pela estrada de ferro, que na ocasião ia até Barra do Piraí. Desta cidade até Baependi (em linha reta 123 km, nas estradas de hoje 186 km) o transporte foi feito em carro de bois. Calculem o tempo e as dificuldades de semelhante transporte!
Enfim, o órgão chegou a Baependi, numa quinta-feira e foi colocado no seu lugar, no coro da pequena capela. Como era natural, a curiosidade pública foi despertada pelo acontecimento. Coisa rara para aqueles tempos numa cidade do interior.
O desejo de se ouvir o instrumento devia ser grande. Para a capela afluíram muitos curiosos que a encheram.
O maestro que no Rio de Janeiro já o experimentara antes da compra sobe ao coro e desliza suas mãos pelo alvo teclado e qual não foi a sua surpresa? Silêncio absoluto! Nenhuma nota! Mais uma tentativa. Inútil! O instrumento não funcionava. A decepção foi grande! O que teria acontecido? A assistência começou a murmurar.
- Com certeza estragou-se na viagem, com os solavancos do carro de boi, diziam uns.
- Qual! Com certeza venderam coisa velha, estragada, diziam outros.
- Os finórios do Rio venderam coisa imprestável, completavam.
Nhá Chica chorava, conta-nos a Sra. Helena Ferreira Pena, sua primeira biógrafa. Estava cheia de angústia e aflição! Teria sido enganada? Mas logo se acalma e diz:
- Esperem um pouco.
Única foto original da Beata Nhá Chica
Tira dos pés as chinelinhas de couro e vai prostrar-se aos pés do altar da Virgem. O povo esperava ansioso. Depois de alguns instantes de prece, ela volta-se, agora calma e serena, e diz:
- Senhor Francisco (o maestro-organista), o órgão, hoje, não tocará. Nada lhe falta, está perfeito. Nossa Senhora não quer que ele toque, hoje. Podeis voltar para as vossas casas – diz ao povo –, amanhã, às três horas da tarde, ele tocará, quando se cantar a Ladainha à Nossa Senhora. O sino dará o aviso.
Foi um desapontamento! Mas, assim se fez. Todos voltaram para casa e trataram de espalhar a notícia do ocorrido.
No dia seguinte, sexta-feira, o fraco sininho soava nos ares, dando o sinal e chamando os fiéis que desta vez foram em maior número, uns movidos pela curiosidade, outros pelo desejo de testemunhar um milagre.
Às três horas em ponto, o maestro achava-se junto do instrumento e outra vez deslizou seus dedos sobre o teclado e rompeu-se a ladainha, e o órgão derramou suas ondas sonoras pelo templo, acompanhando, majestoso, aquele hino de beleza incomum, votado pela igreja a Maria Imaculada.
As lágrimas desciam dos olhos de Nhá Chica, mas desta vez, de alegria e felicidade!
O fole que impulsionava o ar para o órgão era, naquela altura, movido à mão pelo negro-forro Félix, que vivia com Nhá Chica junto à capela, desde que ela viera de São João del’Rei em tenra infância.
Por que, na véspera, silenciara o instrumento? Pergunta o historiador baependiano José Alberto Pelúcio, no seu célebre livro Templos e Crentes. E ele continua, como a responder:
Seria porque seu primeiro canto, na cidade, deveria ser consagrado, não à curiosidade pública, mas à Virgem da Conceição? Seriam as primícias de seus sons, na cidade, uma homenagem as três horas de agonia da Sexta-feira, de tanta devoção de Nhá Chica? Não sabemos. Registramos, apenas, o fato.
Ainda hoje o órgão se encontra no coro da Igreja da Senhora da Conceição, em Baependi-MG. Ele foi milagrosamente restaurado 1998, pelo especialista Ricardo Clerice, o responsável por ressuscita-lo das cinzas. Mas, essa é outra história que fica para outra ocasião.


(O relato foi reconstruído a partir das seguintes fontes: José Alberto Pelúcio, Templos e Crentes, p. 147 e Helena Ferreira Pena, Biografia de Francisca Paula de Jesus “Nhá Chica”, 13ª ed., pp. 8-9)

* No processo de restauro, o órgão foi identificado como de fabricação francesa.

2 comentários:

  1. Fico sempre emocionada diante dum milagre!

    Bem, já que falamos de milagres, quero deixar aqui uma nota sobre um milagre atribuído a Nhá Chica e que eu achei muito ternurento, e com o qual me deparei na net quando pesquisava pela santa em língua espanhola. O padre Jean Poul com certeza conhece, mas talvez alguns leitores não. Fica então a partilha.

    O Milagre do Grão de Arroz

    Este milagre terá ocorrido no final da década de 70 do século XX e era contado habitualmente por uma dona Chiquinha Xatara, de Caxambu, que usava recorrer à intercessão de Nhá Chica para alcançar os favores de Deus.
    Conta ela que uma pobre moça que morava em São Lourenço sofria constantes privações, de tal forma que ela e o marido muitas vezes tinham que recorrer a parentes e amigos para poderem comer alguma coisa. Um dia, a pobre moça saiu desesperada de São Lourenço e foi até Baependi, a pé, para pedir a Nhá Chica que intercedesse por ela junto de Maria Santíssima. Chegou a jovem a Baependi, com os pés machucados, desesperada. Orou junto do túmulo de Nhá Chica e depois de feitas as preces foi visitar a casinha onde a santa morara. Ficou lá dentro sozinha, em recolhimento. Parada junto ao fogão a lenha onde Nhá Chica cozinhava os seus alimentos, sentiu ela como que uma força que puxava a sua mão para dentro do local onde no fogão se colocava a lenha. Obedeceu ao impulso e colocou lá a mão. Quando a retirou viu que vinha agarrado aos seus dedos um singelo grão de arroz. Emocionada, a jovem apertou o grãozinho de arroz fervorosamente contra o peito e ali mesmo renovou as suas orações e súplicas diante do retrato da santa. E regressou a casa, cheia de esperança e já esquecida das dores da longa caminhada, transportando consigo o precioso grão de arroz.
    Ora aconteceu que quando a jovem chegou a casa, em São Lourenço, logo recebeu a noticia de que o marido tinha encontrado finalmente um emprego! E não é tudo. Diz-se que nunca mais em casa do jovem casal faltou o alimento necessário! E será este o motivo pelo qual na Capela de Nhá Chica em São Lourenço é dada aos visitantes uma lembrança que consta de uma pedrinha, símbolo da força de vontade da santa, e alguns grãos de arroz, como símbolo da caridade de Nhá Chica para com os pobres e necessitados.

    Não é uma história tão terna?!

    Isabel Gomes

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  2. Padre Jean Poul, sua benção.
    Me chamo Rosa Mascarenhas e vivo em Belo Horizonte. Recentemente me atribuíram uma missão da qual me emocionei: encontrar relíquias, qualquer objeto de uso pessoal, ou pedaços de tecidos, de colchões...de Nhá Chica, Padre Victor e tantos outros Santos e Beatos Mineiros para serem adorados fora do nosso país, especificamente, Europa e Índia. O Bispo da Igreja Ortodoxa Cristã Michael de Bihar faz essa solicitação e poderá enviar um documento oficial, caso necessário. Basta solicitarmos. Já entrei em contato com Anelisa da Curia da Campanha, mas infelizmente ela não consegue mais relíquias. Parecem já terem sido distribuídas. Comecei uma busca pela internet através de associações e comunidade em redes sociais e ainda aguardo retorno. Desta forma, venho encarecidamente pedir a ajuda do senhor nesta missão.
    Aguardo seu retorno,
    Att.
    Rosa

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