Há mais de 200 anos, mais exatamente há 203 anos, no
dia 26 de abril de 1810, uma criança era conduzida à Pia Batismal da Capela de
Santo Antônio e ali recebia a graça da filiação divina e o gérmen da santidade.
Era a menina Francisca Paula de Jesus, futuramente conhecida como Nhá Chica.
Isso aconteceu em sua terra natal, Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, um
pequeno povoado próximo a São João del’Rei, onde se situava a Fazenda Porteira
dos Vilela, onde nascera.
O Pe. Manoel Antônio de Castro, coadjutor da Matriz de
São João del’Rei anotou o ocorrido no Livro de Batismos daquela paróquia: «Aos
vinte e seis dias de abril de mil oitocentos e dez, na Capela de Santo Antônio
do Rio das Mortes Pequeno, filial desta Matriz de São João del’Rei, (…) o
Reverendo Joaquim José Alves[1]
batizou e pôs os Santos Óleos a FRANCISCA[2],
filha natural de Isabel Maria, e foram padrinhos Ângelo Alves e Francisca Maria
Rodrigues».
O historiador sanjoanense, Antônio Gaio Sobrinho,
informou no I Encontro de Estudos sobre Nhá Chica, ocorrido em 21 e 22 de maio
de 2004, em Baependi/MG, nas dependências da Associação Beneficente Nhá Chica
(ABNC), que o Ângelo Alves, o padrinho de Francisca, foi o hospedeiro do famoso
naturalista francês Augusto de Saint-Hilaire que por duas vezes esteve em Rio
das Mortes (1819 e 1822). Informou ainda que Ângelo Alves Ferreira Rodrigues
era filho de Pascoal Alves Ferreira Rodrigues e Josefa Ferreira Barreto que lhe
deixaram em herança uma parte de sua fazenda na estrada de Rio das Mortes
Pequeno, aplicação de Santo Antônio, na freguesia de São João del’Rei. Ângelo
morreu solteiro em 13 de maio de 1823, deixando uma filha, Rita Maria Ferreira,
de sua companheira Isabel Batista, com quem nunca fora casado. «Quanto à madrinha
de Nhá Chica, Francisca Maria Rodrigues, era ela filha natural de Ana Páscoa,
moradora da mesma paragem do Rio das Mortes, também em terras que antes
pertencera a Pascoal Alves Ferreira Rodrigues, e morreu sem filhos nem
herdeiros, no dia 07 de março de 1827»[3],
deixando sua herança a duas escravas: Ana, de 26 anos e Eva, de 7 anos. O Prof.
Antônio G. Sobrinho, na mesma ocasião levantou a hipótese que permanece carente
de provas e aprofundamento de que Nhá Chica e sua mãe tenham sido escravas de
Ângelo Alves ou ainda que tenha sido ele o pai desconhecido de Nhá Chica.
Considerados esses elementos históricos, passemos ao
que nos interessa propriamente, o elemento místico-teológico:
Há poucos dias o Santo Padre Francisco (considere-se
aqui a feliz coincidência dos nomes) afirmou numa de suas homilias cotidianas
da missa matutina que preside na Casa Santa Marta, no Vaticano, onde permanece
residindo desde sua eleição, que o batismo é todo o necessário para
evangelizar. Ou seja, que todo cristão batizado está apto e devidamente
credenciado, além de que também incumbido pelo próprio fato de ser batizado da
missão evangelizadora, que é a missão da Igreja à qual se passa a pertencer
pelo próprio batismo.
Podemos aqui, matizar a ideia do Papa e aplica-la
também, sem prejuízo à obra da evangelização, à tarefa cristã, pessoal e
comunitária, da santidade. Se o batismo é todo o necessário para a
evangelização, também o é para a santidade.
É outra feliz e providencial coincidência que a
Beatificação da Venerável Serva de Deus Nhá Chica, transcorra tão proximamente
da data do seu batismo. Este fato deve resgatar em nós batizados a consciência
de que temos, precisamente pela graça do santo batismo, todo o necessário para
trilhar os caminhos da santidade trilhados por Nhá Chica e agora reconhecidos
pela Igreja e propostos como exemplares aos fiéis. É precisamente isto a
beatificação.
Pelo batismo somos remidos do pecado.
Pelo batismo fomos inseridos na comunidade dos fiéis.
Pelo batismo recebemos o dom da fé.
Pelo batismo fomos inseridos no único corpo de Cristo,
a Igreja.
Pelo batismo recebemos o gérmen da vida eterna.
Costumo dizer nas celebrações do batismo que nossos
pais nos deram a vida mortal, corpórea, física ou fisiológica, enfim, a vida
que começou na fecundação e terminará decompondo-se no cemitério. Porém a mãe
Igreja, fecundada pelo mistério pascal de Cristo, nos dá – pelo batismo – a
vida imortal, a vida que ultrapassará o cemitério e permanecerá para sempre,
como permanece a de Francisca, passados mais de 200 anos. Essas duas dimensões
da vida são inseparáveis, pois pertencem a um único desígnio criador e
salvífico de Deus. Contudo as distinguimos para de novo juntando-as tomarmos
consciência da importância do nosso batismo, no contexto de toda a nossa vida
humana, no que diz respeito ao nosso caminho rumo à maturidade de Cristo e seu
seguimento, que chamamos santidade.
A Venerável Serva de Deus Nhá Chica, em pouco tempo
Bem-aventurada Francisca Paula de Jesus, nos ensina que não é preciso mais que
do que a graça do batismo, recebida inconscientemente, em torno dos seus 2 anos
de idade, para que floresça em nossa vida o projeto de Deus e correspondamos a
Ele com santidade de vida e simples obras de caridade e fraternidade que se
tornem sinais credíveis do Evangelho ontem, hoje e para sempre.
[1] Joaquim José Alves, padre, nasceu aos 14 e foi batizado aos 24 de
fevereiro 1768. Faleceu aos 06 de agosto de 1833.
Que mensagem linda
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