quarta-feira, 11 de julho de 2012

Uma homenagem a um grande amigo de Nhá Chica


Mons. Marcos iniciava, há 140 anos, a obra da sua vida:
o entalhe da Cúpula da Igreja Matriz de Baependi

Marcos Pereira Gomes Nogueira nasceu em Baependi, no dia 18 de junho de 1847, numa chácara de propriedade de seu tio Manuel Constantino Pereira Guimarães, no Lava-pés, então uma das extremidades da Vila. Era filho de João Constantino Pereira Guimarães, imigrante português da região do Minho e de Ana Engrácia Nogueira Meirelles, que era filha de um bisneto do Capitão-Mor Tomé Rodrigues Nogueira do Ó, considerado o fundador de Baependi, por ser um dos primeiros moradores desta localidade.


Foi o Capitão-mor Tomé Rodrigues Nogueira do Ó quem edificou no Engenho, junto à casa, a primeira capela de Nossa Senhora de Montserrat, uma construção rústica, feita de taipas e paliça, onde se encontrava a imagem de devoção da família. Mais tarde, uma de suas filhas, Maria Nogueira do Prado, com seu marido João Gomes Lemos fizeram doação do terreno à freguesia de Santa  Maria de Baependi, onde seria edificada a Matriz, tendo como condição para a doação a permanência do orago de Nossa Senhora do Montserrat e a construção da Igreja voltada para o lugar conhecido como Engenho.
Foi na infância que o menino Marcos, com seus 8 e 9 anos, viu a criação da comarca de Baependi, em 1855 e a emancipação político-administrativa da Vila de Santa Maria de Baependi, em 02 de maio de 1856, passando à categoria de cidade, com o nome de Baependi.
Em 1862 – portanto há 150 anos! – o jovem seminarista fora testemunha de um grande feito: o douramento do altar-mor da Igreja Matriz de Baependi por generoso donativo de Nhá Chica, quando recebeu a herança de seu único irmão, Theotônio Pereira do Amaral, falecido em 1861. O altar-mor fora construído quando era vigário o Pe. Domingos Rodrigues Afonso, por volta de 1795, quando se fizeram muitos melhoramentos na Matriz – os primeiros de que se tem notícia no Livro do Tombo paroquial. Dois artistas, daqueles longínquos tempos, deixaram, na Matriz, admiráveis traços de seus talentos: Natividade, encarnador, dourador e pintor, de São João del’Rei e Macedo, entalhador, de Suassuí.
O jovem Marcos recebeu do seu vigário Joaquim Gomes Carmo toda a formação, inclusive teológica e, sem nunca ter vivido no seminário, recebeu a tonsura e as ordens menores em 25 de outubro de 1865, durante uma visita pastoral do Servo de Deus D. Antônio Ferreira Viçoso, bispo de Mariana, à Paróquia de Santa Maria de Baependi. Neste tempo, começa Nhá Chica a construção da Capela dedicada à sua Sinhá, a Senhora da Conceição.
Ainda nesta década, o seminarista Marcos Pereira Gomes Nogueira acolitou a cerimônia de lançamento da pedra fundamental da Igreja de Santa Isabel, em Caxambu, até então pertencente à Cidade e Paróquia de Baependi, com a presença de Sua Alteza Real, a Serva de Deus e jovem Princesa Isabel, benemérita doadora daquele templo em agradecimento pela graça da concepção de um príncipe herdeiro.
Em 1870, o Pe. Marcos Pereira Gomes Nogueira começou a paroquiar os seus conterrâneos, o que fará valorosamente por quase meio século.
Logo nos inícios do seu paroquiato, Pe. Marcos, motivado pelo magnífico e recém-dourado altar-mor e pela presença de tão elegantes confessionários esculpidos por ordem do Côn. Custódio de Oliveira Monte Raso (pároco de 1847 a 1851) que também transformou a primitiva sacristia, do lado esquerdo do altar-mor, em capela do Santissímo Sacramento, dotando-a com assoalho, forro e altar, começa no dia 17 de julho de 1872 – portanto há 140 anos! – uma grande obra de restauro da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Montserrat, que culminaria com a obra de sua vida e expressão do seu gênio artístico: a criação e execução da talha do transepto (cúpula) da nave central da Igreja.
Olavo Bilac, num artigo de jornal, ressaltou a originalidade da obra artística do Mons. Marcos ao notar que os ornatos, esculpidos em cedro, são quase todos inspirados na flora brasileira e eu diria, na flora local, pois pode-se contemplar em sua obra o cacho de gravatá, donde pende o magnífico lustre da cúpula; as folhas de fumo, de que Baependi foi grande produtor e até exportador naquela época, as folhas de bananeira e acá, a uva, a "unha de boi" e muito mais.
Isto mereceu que especialistas do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) classificassem a Igreja Matriz de Baependi como uma legítima mostra do barroco genuinamente brasileiro, uma vez que as grandes obras do barroco brasileiro e mineiro são cópias de grandes expressões barrocas da Europa. Deve-se este fato, em sua totalidade ao gênio artístico do Mons. Marcos que, resistente em adotar modelos europeus, criou ele mesmo os moldes da escultura. A obra é reconhecida por especialistas como sendo única do gênero em todo país.
Para esta obra que revelara todo o seu talento, o jovem padre contou com generosas esmolas que angariava pessoalmente e com abnegados voluntários, dentre os quais o jovem imigrante italiano, Francisco Viotti, de quem, mais tarde o vigário escreveria: “tudo o que saia de suas mãos trazia o selo da perfeição em seu gênero”.
A Igreja Matriz foi iniciada em meados do século XVIII, por volta de 1754. Como foi construída e decorada ao longo dos anos, assimilou características de vários estilos arquitetônicos como o Luiz XV (Altar-mor), o barroco (trabalho em talha do transepto da nave central), o rococó (altares laterais) e o neoclássico.
Durante sua vida, Mons. Marcos manteve sólida relação de amizade e respeito com Francisca Paula de Jesus – Nhá  Chica. Quando fez o testamento, em 08 de julho de 1888, Nhá Chica o escolheu como primeiro testamenteiro, demostrando sua confiança e amizade com o vigário. Analisando documentos redigidos por Mons. Marcos a respeito de Nhá Chica, nota-se que ele sempre a tratava por Dona Francisca, o que denota seu apreço por ela, pois raramente utilizava esse título.
Abrindo sua última década de vida, o Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira ausentou-se temporariamente de Baependi, em 1906, para governar o Bispado de Pouso Alegre, durante a ausência de D. João Batista Correia Nery, que partira para Roma, em visita ao Papa S. Pio X. Baependi pertenceu á Diocese de Pouso Alegre desde a sua criação, em 1900 até o a criação da Diocese da Campanha, em 08 de setembro de 1907. Antes pertencera à Diocese do Rio de Janeiro, das origens até 1745, quando passou a pertencer à Diocese de Mariana, em Minas Gerais, criada nesta data pela Bula “Candor lucis aeternae” (O brilho da luz eterna) do Papa Bento XIV.
Era homem da confiança e do apreço dos bispos. D. Silvério Gomes Pimenta, bispo de Mariana, assim se referiu ao Mons. Marcos: “Ninguém mais do que eu aprecia as virtudes, as qualidades peregrinas, os serviços remontados que o vigário Marcos tem feito. Eu o amo tanto que por ele daria a própria vida”.
Tragicamente, no regresso a Baependi, o monsenhor foi vítima de um desastre, sendo arrastado pela locomotiva do trêm de ferro, correndo sério perigo de morte, o que consternou toda a população. Depois do acidente, Mons. Marcos recolheu-se à Santa Casa de Misericórdia, hoje Hospital Cônego Monte Raso, exercendo as funções de capelão. Lá, foi encontrado morto, em seu modesto quarto, com o rosário entre os dedos, vítima de parada cardíaca, no dia 07 de fevereiro de 1916. No dia seguinte, associações, entidades, bandas, padres, alunos das escolas (que não tiveram aula nesse dia), irmandades, comércio e repartições públicas deram o último adeus ao seu conterrâneo vigário e brilhante artista. Seu corpo foi sepultado no jazigo de seus antecessores, na Capela da Paixão, à esquerda do altar-mor da Igreja Matriz.
Seu nome foi logo dado à imponente praça em frente à Igreja Matriz, por ele ornada, quer pela sua operosa escultura, quer pelo seu profícuo paroquiato.
Na minha infância, passei longas e deliciosas tardes contemplando a obra do Mons. Marcos, pois meu primeiro emprego, depois de ter sido autônomo na venda de verduras e picolés, foi acolher e ciceronear os turistas que visitavam a nossa bela Matriz. Naquele tempo contava-lhes todas estas histórias, não de forma tão elaborada, mas não menos apaixonante. Agora, concluo este artigo, homenageando aquele que ornou a nossa Igreja, tornando-a imagem da esposa, enfeitada para o seu esposo (cf. Ap 21,2), e tornou-a atrativa a tantos olhares: Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira.

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