Um
beato, reconhecido oficialmente como tal, não é santo?
Da mesma forma como também são santos todos aqueles não reconhecidos que, após
a morte, estão no céu?
A resposta é do Padre Valerio
Mauro, professor de Teologia Sacramental.
«Uma
tradicional divisão da comunhão dos santos, que constitui a Igreja como povo de
Deus, distingue a Igreja peregrina, a nossa condição na história, daquela
gloriosa, os santos no céu, e daquela em um estado de purificação, os defuntos
pelos quais rezamos.
Quando
a Igreja reconhece a santidade de uma pessoa, existe uma mudança precisa: a
nossa relação com aquele cristão passa de uma oração por ele(a), em seu favor,
a um pedido de oração voltado para ele(a). Certamente o convite à oração
recíproca tem valores para todos, como nos lembra o apóstolo Tiago: “rezem uns
pelos outros” (Tg 5,16). Precisamos da oração dos irmãos na fé durante o nosso
caminho em direção ao Reino de Deus ou pela nossa última purificação.
Os santos
e beatos
intercedem por nós enquanto da parte deles estão em comunhão definitiva com
Deus, na espera da manifestação do Senhor Jesus Cristo quando retornará na
glória da ressurreição dos mortos. A tradição ortodoxa expressa bem esta
passagem com uma liturgia formal, dita glorificação e distinta em duas partes:
a primeira se desenvolve pela última vez uma oração em favor do defunto,
passando pela primeira vez a uma liturgia na qual se dirigem orações oficiais
ao novo santo. No dia seguinte é celebrada pela primeira vez uma missa durante
a qual o santo é nomeado como tal, pela graça e a glória de Deus.
O culto
dos santos, portanto, pertence aos modos com os quais a Igreja manifesta a sua
fé através da oração, pessoal e comunitária. Cada expressão histórica da vida
eclesial viveu mudanças e modificações no curso dos tempos. As primeiras
atenções de uma oração pública voltada aos santos são aquelas para com os
mártires, ligados a uma comunidade particular. Pensemos nos santos tradicionais
como Lúcia, Ágata, Cecília ou os apóstolos, dos quais o martírio em uma cidade
deu lugar a um culto precioso. De maneira singular a morte dos santos Pedro e
Paulo, em Roma, decidiu pelo papel eclesial único do bispo daquela cidade. De
maneira paralela o culto para com a Virgem Maria se liga à manifestação
particular neste ou naquele lugar. Em síntese, o culto aos santos nasce ligado
a um lugar, a uma comunidade local. Somente com o tempo se estende a outras
comunidades. Os primeiros santos não
mártires dos quais se conhece um culto são Antão, pai do monaquismo, e Martinho
de Tours, o primeiro santo não mártir do qual temos um ofício litúrgico.
O culto
público a um santo ou uma santa era confiado à aclamação popular ou a uma
decisão episcopal: momento decisivo era a trasladação do corpo a um altar, que
se tornava o centro do culto a ele voltado. Na Época Medieval, a Igreja começa
a regular de maneira formal e universal, o reconhecimento de um culto litúrgico
aos santos. É um período de crescente autoridade do Papa na Igreja e assistimos
a várias intervenções dos pontífices. No século XIII, Gregório IX reservou as
canonizações ao ministério do Papa, instituindo o processo para o
reconhecimento da santidade de um cristão (Francisco de Assis foi o primeiro
pelo qual se desenvolveu uma investigação através de testemunhos sobre sua vida
e seus milagres). Em 1588, Sisto V, fundou a Sagrada Congregação dos Ritos,
encarregando-a de examinar as várias candidaturas ao culto público. Com Urbano
VIII e Bento XIV se elaboram normas ainda mais precisas, definindo a distinção
entre beato e santos: o beato goza somente de um culto público na Igreja local
(diocese, região ou país), o santo é
proposto ao culto da Igreja universal.
A distinção formal entre beato e santo, portanto, não
diz da presença deles no céu, mas da difusão do culto deles em nível de uma
Igreja local ou da Igreja universal. Segundo a teologia católica, desenvolvida
no período medieval, na declaração de santidade, ou “canonização”, o pontífice
se pronuncia pela nossa fé, propondo à Igreja universal um culto público e
legítimo para aquele(a) santo(a). Em 1983, o então Papa João Paulo II emanou
novas normas, por meio da Constituição
Apostólica Divinus Perfectionis Magister (Mestre da Divina Perfeição),
reorganizando o processo através do qual um cristão pode ser
reconhecido como digno de um culto público e, desta forma, canonizado. Quando
nasce uma devoção popular por uma pessoa, morta em fama de santidade, abre-se
um processo diocesano, através do qual é examinada a heroicidade de suas
virtudes, os seus escritos e a devoção popular. Uma comissão é encarregada de
verificar o milagre apresentado para a beatificação e atribuído à intercessão
do servo de Deus. Um segundo milagre é pedido para a canonização.
À luz deste breve panorama histórico, podemos
responder em síntese à pergunta acima:
A distinção entre beato e santo é historicamente
ligada à difusão do seu culto. Nos nossos tempos os termos são muito mais
nuances, mesmo em razão das enormes possibilidades de comunicação. Basta pensar
no Padre Pio de Pietrelcina, que suscitou ao seu redor uma devoção universal já
antes de ser reconhecido beato. Todavia, um sinal litúrgico que poderia ser
importante a conservar é a modalidade da proclamação de beato e de santo. A
cerimônia de beatificação pode
acontecer na cidade que deu lugar ao culto popular, reservando para as canonizações as cerimônias na
Basílica de São Pedro e a intervenção pessoal do Pontífice, pois é para o culto
universal. É uma pequena distinção útil, que dá valor à Igreja local onde o(a)
santo(a) recebeu a sua formação cristã e deu exemplo de vida evangélica. Enfim,
para os inúmeros santos desconhecidos, que no silêncio transcorreram uma vida
cristã cheia de conversão e fidelidade plena ao Evangelho de Cristo, a Igreja
conhece a festa de 1º de novembro, na qual honra todos os santos e não por
acaso esta festa precede a lembrança litúrgica dos nossos defuntos, dia 2 de
novembro.
Voltamos, assim, ao sentido profundo do culto dos
santos e dos beatos, acenado ao
início do nosso discurso: na comunhão eclesial que se manifesta através da
oração, sobretudo a oração litúrgica, os santos são aqueles companheiros nossos
de viagem com os quais passamos da oração de intercessão feita por eles à
oração voltada para eles, para que intercedam junto ao Senhor por nós.
(by www.aleteia.org)
Muito esclarecedor.
ResponderExcluirIsabel Gomes
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